O Luto Na Perspectiva Islâmica

Fé e Espiritualidade

Por Sheikh Ali Momade* 

A morte é um fenômeno divino e representa uma separação incontornável. Ela causa dor e tristeza para qualquer pessoa enlutada. No Islam, a morte representa um processo de transição da vida mundana para outra vida derradeira. Tudo que existe nos céus e na terra pertence a Deus e nós, seres humanos, somos de Deus e viemos de Dele, e a morte é um processo de retorno ao Criador, conforme o decreto Dele: “Toda alma provará o gosto da morte; então, retornareis a Nós” (Alcorão, 29:57). 

A vida mundana é passageira, ilusória e cheia de provações. Essa realidade é uma imposição divina sobre toda a criação, até os mais amados e preferidos por Deus não estão isentos da morte. Muitos preferidos por Deus passaram nesta vida, como por exemplo, Adão, Eva, Noé, Abraão, Isac, Ismael, Maria mãe de Jesus, Moisés, Jesus, Muhammad – que a paz de Deus esteja com todos eles – e por mais que fossem praticantes do bem, não se encontram entre nós.  

Neste sentido, os crentes em Deus devem estar, psicológica e espiritualmente preparados, em todos os momentos e lugares, para retornarem a Deus, em que, receberão Dele recompensas e melhores moradias, numa vida eterna, onde desfrutarão de tudo quanto desejarem de bom. Além disso, verão, com seus próprios olhos, o seu Criador.  

Quando ocorre algum infortúnio, calamidade ou perda de um ente querido, lamentamos e externamos a nossa dor e tristeza de maneiras diferentes. Esse sentimento faz parte da natureza biológica.  

Como é que um crente deve lidar com o luto 

A religião islâmica defende que nada acontece sem a permissão de Deus e se Ele permite algo, devemos agradecê-Lo e louvá-Lo, por mais que seja contrário à nossa vontade, pois somos ignorantes e Deus sabe o melhor.  Por isso, a morte de uma pessoa querida pode se configurar numa forma de provação divina a respeito da nossa fé, nossa paciência e firmeza na obediência, tal como Deus diz: “Certamente que vos poremos à prova mediante o temor, a fome, a perda dos bens, das vidas e dos frutos. Mas tu (ó Mensageiro Muhammad), anuncia (a bem-aventurança) aos perseverantes” (Alcorão, 2:155). Enquanto estivermos neste plano mundano, seremos provados de diversas formas, sob situações adversas a nossa vontade, mas também, seremos provados em abundâncias de bênçãos e multiplicidade de riqueza.  Deus diz: “E vos provaremos com o mal e com o bem” (Alcorão, 21:35). 

Portanto, diante dessas situações adversas, e concretamente logo após a confirmação da perda de ante querido, a primeira ação recomendável para a família enlutada consiste na aceitação do destino de Deus, do fundo do coração e total sinceridade, expressando verbalmente o seguinte: “Somos de Deus e a Ele retornaremos” (Alcorão, 2:156).  Esta declaração de aceitação traz benefícios espirituais que aliviam a dor e Deus recompensa aqueles que lidam com o luto e o infortúnio com alto grau de fé, paciência e aceitação da vontade Dele, quando Ele diz: “Estes serão cobertos pelas bênçãos e pela misericórdia de seu Senhor, e estes são os bem encaminhados” (Alcorão, 2:156). 

A segunda ação espiritual a ser tomada pela pessoa enlutada é a recordação de Deus. Esta ação traz conforto espiritual e alívio. Assim, Deus nos orienta a procedermos, de acordo a palavra Dele, em que diz: “Que são fiéis e cujos corações sossegam com a recordação de Deus. Não é, acaso, certo, que à recordação de Deus sossegam os corações?” (Alcorão,13:28). Lembrando que existem diferentes formas de recordar Deus, entre elas, intensificar os louvores, glorificá-Lo, enaltecê-Lo, fazer orações, ler a palavra Dele com meditação e outras maneiras que o crente puder fazer para se aproximar a Deus, sobretudo durante o luto, pois, sem sombra de dúvida, somente Ele tem poderes para confortar os corações dos enlutados. Em outras palavras, o estado de luto não pode nos afastar de Deus. 

Por uma condição biológica e afetiva, qualquer pessoa enlutada exterioriza a dor, a angústia, a tristeza pela perda. Diante dessas situações, o Islam recomenda o controle das emoções e do pranto e proíbe a destruição de bens, a autodestruição e exageros. Segundo o Profeta Muhammad (que a paz esteja com ele), “Aquele que se fere, rasga sua roupa ou clama com a voz da ignorância não é um de nós” (narrado por Bukhari e Muslim).  

É possível percebermos que o Islam, como uma instituição, busca consolar a pessoa enlutada através de uma série de orientações espirituais e instruções pedagógicas que protegem os bens materiais, o corpo e fortalecem a fé em Deus. Este processo faz parte da socialização islâmica durante a vida de um muçulmano e muçulmana, através de sermões, palestras e encontros religiosos de caráter educativo que servem para preparar, espiritual e emocionalmente todos nós, de modo a sabermos lidar de melhor maneira com esses fenômenos – uma vez que todos nós somos sujeitados a enfrentá-los em algum momento da nossa vida.  

O Profeta Muhammad (que a paz esteja com ele) enfrentou diferentes situações de luto, por exemplo, com a morte de seu tio Abu Taalib e sua esposa Khadijah em um momento em que ele precisava de muita proteção e amparo familiar. Ele teve sete filhos e todos morreram, salvo  Fátimah. Anas Ibn Malik, companheiro do Profeta, contou que estava com ele momentos antes da morte de seu filho Ibrahim e Anas viu os olhos do Profeta (que a paz esteja com ele) lacrimejando. Outro companheiro presente, Abdur-Rahman Ibn Auf, o questionou, quando o Profeta respondeu: “Os olhos deixam cair lágrimas, o coração sente tristeza, mas não podemos falar nada que desagrade ao nosso Senhor. Estamos tristes com a sua partida, ó Ibrahim” (narrado por Bukhari e Muslim). 

Outro aspecto em que o Islam chama a atenção da família enlutada, dos parentes e amigos, tem que ver com a história de vida e memórias do falecido. O Islam reconhece que todo o ser humano é sujeito ao erro e ninguém é perfeito. Nesse sentido, é extremamente proibido recordar e mencionar os defeitos do falecido, isto porque fere com os sentimentos dos enlutados e aumenta sua tristeza. Ao invés disso, o Islam recomenda a focarmos na recordação das boas memórias, nas suas contribuições positivas, nas suas ações caritativas e sociais, além de suplicarmos e orarmos pelo falecido e sua família para que Deus perdoe suas faltas e conforte suas almas. Para que coloque o falecido no melhor lugar através da Sua infinita misericórdia ou a mantermo-nos discretos.  

Devemos demonstrar o respeito incondicional ao falecido e à família enlutada, além disso, devemos prestar toda assistência emocional e espiritual necessária através da ética, moral, consolação, apoio material e financeiro de modo a permitir que a família supere as dificuldades e a angústia. Uma pessoa enlutada espera contar com o amparo de todos e de todas as formas possíveis.  

Um muçulmano ou muçulmana que transmite o conforto para a pessoa enlutada, ganha recompensa de Deus. O Profeta Muhammad (que a paz esteja com ele) disse que: “Quem transmite condolências a uma pessoa enlutada, receberá uma recompensa semelhante àquela” (narrado por Ibn Majah).  Lembrando que, independentemente da fé e religiosidade da família enlutada ou do falecido, devemos transmitir nossas condolências e apoio necessário. No entanto, se uma ação é recompensada por Deus, significa que devemos nos esforçar a cumpri-la, aliás, quem se solidariza e presta assistência à pessoa enlutada será retribuído e jamais será abandonado sempre que for necessário.  

Silhueta de pessoa ajoelhada em frente ao pôr do sol

A duração do luto  

 O Islam estabelece três dias de luto para a família. E durante esse período, algumas regras e orientações devem ser, rigorosamente, observadas. Em suma, deve-se evitar festividades e uso de adornos. 

Em relação à viúva, o Islam determina que ela deve ficar de luto durante quatro meses e dez dias. Ao longo desse tempo, ela deve evitar adornos, embelezamento e casamento. É um período considerado, também, suficiente e necessário para que ela e a família tenham certeza de que não há gravidez. Desta forma, a família deve observar os direitos da viúva durante o período de luto e garantir que as relações de parentesco tenham continuidade. As ações e lembranças da família podem beneficiar o falecido ou falecida, tais como, dedicar orações, súplicas ou ações sociais.  

Conheça o Autor

Ali Momade tem Licenciatura em Letras (Árabe e Espanhol) e em Literatura, é Mestre em Ciências Sociais e Doutor em Sociologia Política. É também auditor religioso da certificadora FAMBRAS Halal.

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