*Por Arnaldo Somavilla
Antes de abordarmos a questão do luto, é importante esclarecer alguns pontos a respeito do que é o Espiritismo e sobre suas bases.
O Espiritismo ou Kardecismo é a doutrina criada por Allan Kardec, nome adotado pelo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, que foi discípulo direto de Pestalozzi e professor de gramática, física, fisiologia, aritmética e astronomia. Seu marco inicial foi a publicação do Livro dos Espíritos, em 1957, composto de perguntas feitas aos espíritos e respondidas por eles, através de médiuns.
É importante esclarecer que há outras filosofias, doutrinas ou religiões que também se baseiam no contato com espíritos ou entidades, mas, por não seguirem os princípios trazidos por Kardec, essas não são consideradas espíritas e, sim, espiritualistas.
A respeito da doutrina espírita, temos algumas importantes características:
- Pode ser definida como filosofia, ciência e religião (entendida como forma de religação com o Criador e não como um conjunto de ritos, liturgias e cerimônias).
- É cristã, seguindo os ensinamentos de Jesus.
- Não tem sacerdotes e nem hierarquia de clero.
- Não cobra por nenhum tipo de serviço prestados aos assistidos.
- Não remunera financeiramente dirigentes, médiuns ou participantes das reuniões.
- A base doutrinária está descrita nos livros de Allan Kardec e é subsidiada por centenas de livros – a maioria deles psicografados (ditados por espíritos) e escritos por médiuns como Chico Xavier e Divaldo Franco, entre tantos outros.
Feitas essas observações, podemos entrar na questão específica do luto na visão espírita.
O luto é um processo humano, natural e esperado. Todos sofremos ao perder pessoas que amamos, mesmo quando entendemos que a morte, em muitos casos, pode significar um descanso, um alívio para um ente querido que estava sofrendo em virtude de alguma enfermidade.
A crença espírita nos ensina que o espírito é imortal e que a morte do corpo físico não é o fim da nossa existência e, sim, uma passagem para a continuidade da existência. A alma, após deixar o corpo retorna à pátria espiritual. Na verdade, para o Espiritismo, a vida maior é a vida no plano espiritual – somos espíritos que temporariamente habitamos um corpo e não corpos que temporariamente são animados por uma alma.
Dessa forma, as encarnações são oportunidades de aprendizado ofertadas por Deus, para que nós, enquanto espíritos encarnados, possamos buscar nosso aperfeiçoamento e nos aproximar cada vez mais do Criador. Nesse processo todo, o nosso melhor guia é Jesus.
O Kardecismo nos ajuda, então, a lidar melhor com a perda de pessoas próximas, trazendo-nos consolo e esperança, pois nos ensina que laços de amor são eternos e que, quando for da vontade de Deus e já tendo cumprido nosso planejamento reencarnatório, nos reuniremos em espírito, reencontrando nossos entes tão queridos.
Diante das reflexões feitas acima, podem surgir algumas dúvidas que gostaríamos de tentar esclarecer:
Se aquele que morre volta para o plano espiritual e encontra pessoas queridas, deveríamos então ficar felizes com a morte dele?
O que nos faz ficar tristes é a sensação de perda e o nosso apego à pessoa que desencarnou. À medida que entendemos e sentimos que a vontade de Deus se cumpriu, que a vida continua, que jamais estaremos desamparados por Ele e que a separação é somente temporária, o peso desse afastamento físico fica mais leve e os sentimentos podem ir se transformando.

Para onde vai a pessoa após a morte?
Após a morte, o espírito retorna para o plano espiritual. O local em que ele será inicialmente recebido dependerá do seu padrão vibratório. Quanto mais leves e elevados estiverem a sua mente e o seu coração, mais facilmente se dará a passagem e mais diretamente ele poderá reconhecer e aceitar a ajuda dos bons espíritos que o aguardam, conduzindo-o para locais de acolhimento, tratamento e adequação à nova realidade.
Meus sentimentos e pensamentos de alguma forma afetam a pessoa que desencarnou?
Sim, apesar de ser natural e esperado que, no sofrimento da perda, possamos externar a nossa dor e a nossa saudade, precisamos ter ciência de que o ente que partiu para o plano espiritual continua recebendo e sentindo as boas e as más vibrações que emitimos. Por isso, o equilíbrio se faz tão necessário, e essa dor inicial do luto precisa gradativamente dar lugar a sentimentos de gratidão pelos bons momentos vividos. O nosso equilíbrio emocional é muito importante para o equilíbrio emocional também do desencarnado.
Mas e as mortes prematuras? E as acidentais? E as provocadas por alguém?
Antes de o espírito reencarnar, é feito um planejamento reencarnatório, incluindo todas as experiências que precisarão ser vividas e o tempo de vida estimado. Esse tempo é determinado por Deus, então podemos dizer que não existem “mortes prematuras”.
Quanto às mortes acidentais ou às provocadas por outra pessoa, a necessidade de uma morte violenta e repentina pode fazer parte do planejado para o desencarnado, que pode precisar passar por essa experiência, muitas vezes até por exigência íntima da sua consciência. Esse fato não exime quem provocou a morte de outra pessoa de sua responsabilidade perante as leis humanas e Divinas.
E a morte autoprovocada?
Se for pelo suicídio direto, o tempo de encarnação anteriormente programado terá sido interrompido e o espírito precisará passar pelo reajuste necessário, para que reencontre o seu caminho rumo ao Criador. O ser humano não possui autonomia para cessar antecipadamente sua encarnação e, portanto, precisará arcar com as consequências do ato praticado como forma de aprendizado. É um engano acreditar que a morte autoprovocada cessará as nossas dores físicas ou emocionais ou nos levará ao reencontro com entes queridos que desencarnaram antes de nós. Pelo contrário, dessa forma, esse reencontro será adiado e dificultado.
De maneira semelhante, os abusos e descuidos com o corpo, provocados por vícios ou hábitos não saudáveis ou a prática de atividades recreativas de alto risco (suicídio indireto), podem ocasionar a abreviação do tempo de vida anteriormente estipulado. Essas práticas conduzem o espírito a ter que passar por experiências que o levem à ressignificação da visão que teve diante dos fatos e do seu descuido e desvalorização da própria vida.
Posso fazer algo pelas pessoas que morreram?
Sim. As orações em favor dos desencarnados têm um poder e uma força muito grandes, mobilizando boas energias e recursos que poderão ser utilizados pelos benfeitores espirituais em favor do desencarnado. As nossas preces caem como um bálsamo, suavizando a experiência da morte e aliviando sentimentos tais como a tristeza e a dor da perda, tanto para a pessoa que morreu, quanto para a pessoa que faz a prece.
É possível também pedir preces para os desencarnados em centros espíritas. Durante as reuniões, sempre são feitas preces para as pessoas que morreram.
Algumas casas espíritas também oferecem o que chamamos de atendimento fraterno, em que é possível, para os familiares e amigos daqueles que partiram, buscar consolo e acolhimento com alguém que possa ouvir, compreender e trazer alguns esclarecimentos à luz da doutrina espírita.
E existe alguma forma de eu me comunicar com um ente querido desencarnado?
Sim. É possível que, durante o sono, possamos nos reencontrar com ele. Quanto mais equilibrados emocionalmente e espiritualizados (em conexão com nosso eu profundo e com o Criador) nós estivermos e quanto mais o espírito já estiver preparado para se comunicar, melhor será aproveitada essa oportunidade.
Uma outra via que pode promover a ressignificação da experiência com a morte é o que chamamos de cartas consoladoras, que ficaram mais conhecidas pelo público em geral através da mediunidade de Chico Xavier e foram retratadas no filme “As Mães de Chico Xavier”, disponível no Telecine e na Globoplay. Essas cartas são oportunidades concedidas pelo Criador, para que os entes queridos que partiram possam se comunicar, através de psicografias, com os que ficaram, levando-lhes o conforto, o alívio, a certeza da continuidade da vida e do reencontro futuro. Além disso, são portadoras de boas notícias sobre o seu estado atual de reequilíbrio, assim como da sua alegria ao reencontrarem pessoas queridas que os precederam no retorno à pátria maior.
É importante entender, no entanto, que frequentar uma casa espírita não implicará, necessariamente, receber mensagens dos entes queridos. A possibilidade de comunicação dependerá de haver uma real necessidade, na visão da espiritualidade, e de os espíritos envolvidos no processo (o encarnado e o desencarnado) estarem preparados para essa comunicação.
Tudo o que foi dito acima tem como objetivo final levar a um maior entendimento de como o luto é tratado na visão espírita. Para nós, seguidores dessa doutrina, a morte é um portal de transição. Após a morte, seremos recebidos por espíritos afinados com a nossa vibração, com os nossos propósitos e com as nossas escolhas. Quando nossos corações estiverem abertos para recebermos a ajuda, seremos tratados, a fim de nos reestabelecermos e nos prepararmos para essa nova jornada e, mais tarde, para uma próxima encarnação, com novas provas e novos desafios, sempre rumo ao aprendizado constante do espírito. Certamente cabem ao luto pela perda de um ente querido os sentimentos de dor e as lágrimas de saudade, mas sem que percamos de vista a perspectiva da continuidade e o conforto de um reencontro futuro.