É Importante Ir Ao Velório? Rituais De Despedida E Porque Eles são Úteis No Luto

Luto e Terapia Rituais e Memórias

*Por Adriana Klein

A participação no velório, enterro ou cremação tende a ser benéfica para um curso
natural do luto e facilita a vivência desse processo.

Se no passado a morte era uma experiência natural que acontecia dentro de casa, cercada por amigos e familiares, hoje se tornou algo a ser evitado e escondido. Numa sociedade que celebra a vida como se ela nunca fosse acabar, onde tristeza é sinônimo de problema, morrer tornou-se um incômodo social. É crescente o número de pessoas que estão preferindo chorar por seus entes queridos falecidos de forma mais discreta e privada e, muito provavelmente, de forma um tanto mais solitária também. Observa-se que o tempo entre a morte e o enterro ou cremação está sendo encurtado, ou até mesmo, evitado. Muitas vezes, em menos de 24 horas após a morte, restam poucos indícios do acontecido. Há certa pressa para que tudo fique bem logo e a vida retome seu curso. Contudo, vivenciar esse tempo de dor e despedida faz-se muito necessário, uma vez que estas celebrações – para além de seu aspecto cultural – são também um espaço de apoio social e dor compartilhada, por meio do qual se inicia o fechamento de um ciclo e a reorganização psíquica do enlutado.

Rituais como velório, enterro ou cremação, têm papel importante na elaboração do luto, pois auxiliam o enlutado a assimilar a perda, entendendo-a como real e irreversível. Constituem-se um espaço aonde este pode despedir-se da pessoa querida de maneira solene e consolidada, contando com o suporte de amigos e familiares. Muitas etapas de luto virão depois, mas certamente uma das mais importantes é a despedida. Só podemos chorar a perda se entendemos que perdemos. Não acompanhar os rituais de
despedida
pode tornar essa assimilação da morte mais difícil, ou como dizemos no senso comum, dificulta que a “ficha caia”. Se ainda tenho na memória a imagem da pessoa viva, se não a vi num caixão, se não vi o caixão descer ao túmulo, se evito pensar nela nessas circunstâncias, como poderei entender/acreditar que ela morreu? Como em tantas outras situações da vida, também na morte temos necessidade de ver para crer.

Quando evitamos o adeus, em certo grau, estamos negando a morte. Em um primeiro momento essa negação funciona como um mecanismo de defesa, uma forma inconsciente que nossa mente encontra para nos proteger do sofrimento tão intenso gerado pela perda. É como se pensássemos: “se eu não disser adeus, se eu não assumir que ele morreu então ele continuará vivo”. Por algum tempo isso pode até funcionar, contudo, mais cedo ou mais tarde, em nome de nossa saúde mental, teremos que viver nosso luto, a começar pela despedida. Proteger alguém de experienciar sua perda pode acarretar em sérios problemas futuros, tais como dificuldades interpessoais, sintomas físicos (sem causa orgânica), episódios de ansiedade ou depressão, abuso de substancias entre outros.

Em contrapartida, se a experiência da perda não é adiada e nem silenciada com calmantes, como muito acontece, podemos elaborar o luto de maneira mais saudável. No entanto, em muitos velórios e despedidas o que vemos é o enlutado sendo, desnecessária ou excessivamente medicado, e a expressão de sua dor sendo calada, algumas vezes porque quem está em seu entorno, não suporta ver tamanho sofrimento. Pensamos que estamos fazendo um bem àquela pessoa, amenizando sua dor, ajudando-a a passar por aquela situação com mais estabilidade emocional. Contudo, sob efeito da medicação excessiva, o enlutado pode não registrar memórias claras daquele momento, memórias que, mais tarde, serão essenciais ao seu processo de luto e o ajudarão na elaboração da perda. É como se ficasse faltando um pedaço dessa experiência. É bastante comum que, ao não ter uma lembrança nítida da despedida, a pessoa enlutada se sinta culpada e/ou que não esteve inteiramente presente naquele momento. Pode sentir culpa por não ter feito determinada coisa ou por não ter se despedido da forma como gostaria. E a culpa, ás vezes, se torna um grande desafio para a elaboração de um luto saudável.

Por mais dolorosa que seja uma experiência de perda, é preciso acreditar na capacidade das pessoas de passar por ela. Todos temos essa capacidade, todos, inclusive as crianças. Não há uma cartilha sobre a melhor forma de se passar por uma experiência tão dolorosa como a perda de alguém que amamos. Cada um vive esse momento de uma forma única e particular, e é assim que é; não há certo ou errado, cada um reage e faz aquilo que dá conta no momento, e está tudo bem. A participação nos rituais de despedida tende a ser benéfica para um curso natural do luto e facilita a vivência desse processo,
contudo, por si só não é um delimitador dessa experiência.

O momento da despedida é, antes de tudo, um espaço de homenagens, de se declarar publicamente o carinho, amor e respeito por aquele que morreu. As histórias contadas, as lembranças, o abraço de um amigo ou a presença silenciosa de outro ajudam o enlutado a compreender quem foi aquela pessoa e o que representou em vida. Recordar, falar sobre, chorar, externar sentimentos ajuda na atribuição de um
sentido à perda
. Na construção de um outro lugar, agora dentro de nós, para aquele que será para sempre parte da nossa história.

Conheça o Autor

Adriana Klein. Psicóloga clínica com especialização em Intervenção em Situações de Luto. Aprimoramento em Terapias Comportamentais Contextuais. Atende situações de luto desde 2017 e, atualmente, trabalha o luto a partir da Terapia de Aceitação e Compromisso. Trabalha no atendimento clínico a adultos e idosos.

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