A história do luto é, na verdade, a história de muitas histórias, que contam como diferentes povos encontram maneiras de dar significado à perda.
O luto é uma das experiências mais universais que existem. Cada um de nós já passou ou ainda vai passar por ele. Porém, a forma como vivemos, entendemos e externalizamos essa dor variou muito ao longo do tempo e das culturas, moldada por crenças, tradições e visões de mundo específicas.
Nesse artigo, você vai navegar por algumas dessas peculiaridades e aprender mais sobre formas de lidar com o luto. Continue a leitura!
Como a história do luto foi construída ao longo dos anos
O luto é um espelho das crenças, valores e estruturas sociais de cada época e cultura. A forma como nossos ancestrais vivenciavam a perda era profundamente moldada pela sua relação com o sagrado e com a morte.
Enquanto hoje podemos individualizar nossa dor, nas sociedades antigas o luto era uma experiência coletiva, cheia de rituais e significados que conectavam os vivos ao mundo espiritual.
O luto na antiguidade
Na Antiguidade, o luto era uma cerimônia pública e essencial, cheia de rituais elaborados. Acreditava-se que os cuidados com os mortos eram fundamentais para garantir uma passagem segura para o além, e cada cultura desenvolveu suas próprias práticas, que refletiam suas crenças únicas sobre a vida após a morte.
No Egito Antigo: a mumificação e a vida eterna
A crença em uma vida após a morte parecida com a vida na Terra era o pilar de toda a prática funerária egípcia. O ritual de mumificação, por exemplo, que podia durar até 70 dias, não era apenas uma técnica de preservação, mas um ato religioso para garantir reconhecimento no além.
Eles acreditavam que, sem um corpo preservado, a alma não teria um lar permanente, o que levaria à sua segunda e definitiva morte.
Outro ponto crucial do ritual egípcio era o Julgamento de Osíris, onde o coração do falecido era pesado contra uma pena de avestruz utilizada como adereço por Maat, a deusa da verdade e justiça.
Um coração mais leve que a pena significava a vida eterna nos “Campos de Aaru”, o paraíso da mitologia egípcia. Por outro lado, um coração pesado pelos pecados era considerado indigno e devorado pelo demônio Ammit.

Na Grécia e Roma: culto, oferendas e funerais públicos
Tanto gregos quanto romanos viam as homenagens aos mortos como um dever familiar e de cidadania.
Na Grécia Antiga, não realizar os ritos funerários era uma tragédia, pois condenava a alma a vagar sem descanso. Um exemplo de ritual era a prática de colocar uma moeda de baixo valor no corpo do falecido (geralmente na boca), conhecida como o “óbolo de Caronte“, antes do sepultamento.
Esse pagamento era destinado a Caronte, o barqueiro mitológico que transportava as almas através de um rio que separava o mundo dos vivos do reino de Hades. Acreditava-se que a alma que não recebesse o óbolo estaria condenada a vagar por cem anos nas margens do rio, sem encontrar seu descanso.
Tal ritual foi, mais tarde, também adotado na Roma Antiga, onde os funerais eram verdadeiros eventos sociais. O cortejo de um falecido romano contava com músicos, carpideiras (mulheres pagas para chorar) e atores que usavam máscaras de cera dos ancestrais da família, fazendo que todos estivessem “presentes” na despedida.
Após o enterro ou cremação, a comunidade compartilhava uma refeição, e o culto aos antepassados era mantido anualmente, com a família levando oferendas de alimentos e flores aos túmulos.
Idade Média e Moderna: o luto entre a fé e a ordem social
Se na Antiguidade o foco era a jornada pós falecimento, durante a Idade Média e o início da Era Moderna, o luto na Europa foi um poderoso reflexo da ordem social e da devoção religiosa. A vida era vista como uma simples preparação para a vida eterna, e a “boa morte” era aquela cercada por rituais cristãos.
As práticas de luto serviam para honrar o falecido, confortar a comunidade e reafirmar as estruturas de poder da época.
Os costumes fúnebres da época
• O uso do preto como símbolo de luto: A associação da cor preta ao luto não era universal, mas consolidou-se fortemente na Europa Cristã a partir da Idade Média.
Usar preto no luto era um sinal público de respeito e uma forma de demonstrar a dor, alinhada aos valores cristãos de humildade perante a morte. Com o tempo, esse costume foi tão amplamente adotado que se tornou praticamente uma regra social.
Para saber mais sobre a origem do uso do preto no luto, leia também → Significado da cor preta e sua relação com o luto.

• Os rituais na história do luto da Idade Média e Moderna: O luto era um evento profundamente comunitário. Os funerais eram organizados por guildas (associações de artesãos) ou pela família, e os cortejos pelas ruas eram realizados de acordo com o status social do falecido.
Quanto mais longo e enfeitado o cortejo, mais importante era a pessoa que havia morrido. Assim como na Antiguidade, era comum a contratação de “carpideiras” para chorar e lamentar em voz alta, que guiavam o luto coletivo e garantindo que o falecido fosse “honradamente” chorado.
Leia também → Conheça a história das carpideiras.
• Mudanças sociais e religiosas nesse período: Dois grandes movimentos trouxeram mudanças significativas. O primeiro foi a Peste Negra no século XIV, que, ao matar milhões, “normalizou” a morte, reduzindo o significado dos rituais fúnebres e transformando sua individualidade em coletividade.
O segundo foi a Reforma Protestante no século XVI, em que líderes religiosos como Martinho Lutero criticaram a doutrina católica do Purgatório — um local de purificação das almas pelo qual os vivos podiam interceder com missas e orações.
Em vez desse ritual, os protestantes defenderam uma conexão direta com Deus, o que também simplificou drasticamente os rituais fúnebres e o culto aos mortos.

A história do luto nas religiões
Enquanto a história nos mostra como as práticas de luto evoluíram no tempo, olhar para as diferentes religiões e culturas revela a riqueza de significados que a humanidade atribui à vida, à morte e à despedida.
Cada tradição oferece diferentes rituais, gestos e crenças que têm um objetivo comum: confortar os vivos e honrar os que se foram.
Cristianismo
Para os cristãos, a morte não é o fim, mas a passagem para a vida eterna, conquistada pela ressurreição de Jesus. Os rituais fúnebres, como o velório e o sepultamento, são momentos de despedida, mas também de esperança e fé.
A Missa de Sétimo Dia é um dos ritos mais significativos, homenageando o falecido uma semana após o enterro, reunindo familiares e amigos em oração. Ela também simboliza espiritualmente o consolo e a luz para a alma que partiu, sendo entregue à misericórdia de Deus.
Judaísmo, Islamismo e outras tradições
No Judaísmo, após o enterro, inicia-se o Shivá, um período de sete dias em que a família enlutada fica em casa, recebendo visitas de condolências.
Já o Islamismo prega a simplicidade e a humildade perante a vontade de Allah (Deus). O enterro é realizado o mais rápido possível, muitas vezes sem caixão, com o corpo lavado ritualmente e envolto em um pano simples. A comunidade faz orações pelo falecido, pedindo perdão e misericórdia.
Rituais em culturas indígenas e orientais
Nas culturas orientais, como no Japão e na China, a morte é vista como uma transição dentro de um ciclo. Rituais budistas, por exemplo, podem durar 49 dias, período em que a alma estaria em um estado intermediário antes de seu próximo renascimento.
A família faz oferendas de comida e incenso em um altar doméstico para auxiliar nessa passagem.
Já entre os povos indígenas brasileiros existem diversos rituais, mas geralmente conectam o falecido ao mundo natural e espiritual. Podem envolver cantos, danças, pinturas corporais e oferendas, com o objetivo de guiar o espírito do ente querido de volta à natureza ou ao mundo dos ancestrais.
Séculos XIX e XX: a história do luto na Era Moderna e Contemporânea
Os séculos XIX e XX foram marcados por revoluções – Industrial, Urbanística e Científica – que mudaram radicalmente a vida em sociedade e também a experiência do luto. O que antes era um momento coletivo e cheio de rituais, começou a ser visto cada vez mais como uma questão privada.
Transformações sociais e urbanas no luto
O crescimento das cidades e as preocupações com higiene pública, no século XIX, levaram à criação de cemitérios afastados dos centros urbanos, como o famoso Cemitério do Père-Lachaise, em Paris, na França. Esse movimento, conhecido como “higienismo”, afastou fisicamente os mortos do dia a dia dos vivos.
A morte, que antes acontecia em casa, cercada pela família, passou a ocorrer cada vez mais em hospitais. Isso criou um distanciamento da realidade da morte, transformando-a em um tabu em vez de uma parte natural da vida, e tornou o luto uma experiência mais solitária para a família que o vive.

Profissionalização dos serviços funerários
Com os falecimentos se afastando das casas, surgiu a necessidade de serviços especializados. As funerárias ganharam força no século XIX para assumir as tarefas que antes eram realizadas pela família e pela comunidade: o cuidado com o corpo, a organização do velório e do enterro.
Essa profissionalização, embora trouxesse praticidade, também contribuiu para a burocratização da morte. O falecido e o ritual de despedida passaram a ser “gerenciados” por terceiros, tornando o processo mais impessoal e distante.
Como o luto começou a ser visto pela psicologia

As guerras mundiais do século XX, que ocasionaram um número enorme de perdas, tornaram o luto uma experiência traumática coletiva.
Ao mesmo tempo, psicólogos como Sigmund Freud e Elisabeth Kübler-Ross começaram a enxergar o luto não mais apenas como uma questão espiritual, mas como um processo psicológico complexo que precisa ser compreendido e trabalhado.
Conceitos como as “fases do luto” entraram no vocabulário popular, ajudando a normalizar as emoções dolorosas e a destacar a importância de se processar a perda para uma retomada saudável da vida. Assim, o luto se tornou um objeto de estudo e cuidado, um caminho interno a ser percorrido.
O luto na atualidade

O mundo moderno trouxe novos aspectos para essa experiência humana tão antiga quanto a própria vida: o luto. Na atualidade, dois movimentos principais redefiniram essa vivência.
De um lado, a era digital transformou por completo a forma como nos despedimos e mantemos viva a memória de quem partiu. De outro, a sociedade começou a romper tabus em relação à morte e a valorizar a saúde mental, entendendo que o luto é um processo que merece acolhimento e cuidado.
O luto na era digital: redes sociais e memoriais virtuais
As redes sociais se tornaram o novo espaço público para o luto, onde a dor é compartilhada em tempo real e o perfil de quem falece se transforma em um memorial digital eterno.
Plataformas como Facebook e Instagram oferecem a opção de transformar a conta de quem se foi em um memorial, preservando as publicações como um arquivo de memórias e um local digital de visita para amigos e familiares.
A transformação de tabus relacionados a morte e a valorização da saúde mental
A sociedade atual está, ainda que lentamente, transformando sua relação com a morte. Hoje se fala mais abertamente sobre a finitude, um movimento crucial para um luto mais saudável.
Esse novo olhar sobre o luto trouxe também a valorização da saúde mental. Atualmente existe uma compreensão mais ampla de que o luto, por mais que seja um processo natural, pode desestabilizar psicologicamente, e que buscar ajuda profissional é um ato de autocuidado.
A terapia surge como um espaço fundamental para acolher a dor do luto, ajudando a processar a perda e a ressignificar a vida sem a presença física de quem partiu.
A história do luto transformou nossa forma de lidar com a perda
A jornada através da história do luto nos mostra que a maneira como vivemos a perda se transforma, sendo um reflexo direto do tempo e da cultura em que vivemos.
Dos rituais públicos e coletivos da Antiguidade e Idade Média ao luto internalizado e privado dos séculos mais recentes, cada época imprimiu sua marca nessa experiência. Hoje, herdamos um pouco de tudo isso.
Vivemos um momento de transição, onde a tecnologia nos permite criar novas formas de conexão e memória, ao mesmo tempo que buscamos, na psicologia, o acolhimento que antes era fornecido apenas pela comunidade ou pela religião.
O luto é, acima de tudo, um processo humano profundamente influenciado pelo contexto social.
Compreender essa trajetória nos ajuda a normalizar nossa própria dor, nos dá permissão para vivenciá-la de forma única e nos fortalece para buscar o apoio de que precisamos, honrando o passado enquanto cuidamos do nosso presente.
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