A Dor do Luto Existe Onde o Amor Morou

Luto e Terapia

A experiência do luto é uma reação natural, saudável e esperada diante de uma
perda significativa na vida de alguém. Não existe um tempo determinado para o início ou
o fim dessa vivência, nem um único caminho para atravessar esse processo. Cada pessoa
vive o processo de luto de maneira única, ainda que a experiência da perda possa ser
compartilhada com outros. A travessia do luto é profundamente pessoal, mesmo quando
vivida em coletividade. Isso porque o luto não é apenas sobre a perda, mas sobre o
vínculo.


Falamos frequentemente sobre o luto em associação à uma perda significativa, o
que está correto. Mas pensar o luto vai além disso. O luto é sobre vínculo, sobre os laços
que construímos ao longo da vida e que ajudam a construir uma imagem de quem a gente
é. Não se trata de qualquer vínculo. Mas daqueles que são tão profundos e significativos
que trazem notícias de nós mesmos, de como enxergamos a vida e dos rumos que
escolhemos. Ter um vínculo de afeto com alguém é mais do que dividir momentos.
Significa investir em uma relação. Significa construir uma história onde os encontros
falam mais alto do que os desencontros, onde existe compromisso, expectativas,
segurança, cuidado e troca genuína. Tem vínculo onde a gente encontra apoio e conforto
diante do desamparo da vida. Esses laços não se formam com facilidade ou em qualquer
circunstância. Eles exigem tempo, presença e a disposição de estar verdadeiramente
disponível para o outro. São laços que fazem parte da nossa história e conexões do tipo
que faz a vida ter algum sentido.


E quando perdemos alguém com quem criamos um vínculo tão importante, o luto
é consequência natural. Ele é, na verdade, uma extensão desse amor. A dor que sentimos
é a testemunha do afeto, do investimento emocional, do tempo compartilhado e das
histórias vividas. Luto é o afeto que perdeu o destino e fica solto, dando voltas sem saber
mais aonde se ancorar. Se você teve uma relação rompida, está vivendo o desafio de se
ajustar a uma nova realidade, sem a presença daquela pessoa que ocupava um espaço
único em sua vida. Não se perde apenas a pessoa. Perde um lugar, um olhar, um pouso
de si mesma. Um pedaço seu morre também e a partir dali você não será como antes.
Precisará construir uma nova versão em uma vida nova pra viver. A dor que você sente
reflete a profundidade desse vínculo e a complexidade dos sentimentos que surgem,
muitas vezes são intensos e até inéditos para você.


Cada vínculo que construímos ao longo da vida é formado por milhares de elos.
Investimos afeto, tempo, sonhos, experiências e confiança. Cada conversa marcante, cada
afinidade descoberta, cada reconciliação celebrada fortalece esses elos. Quanto mais elos
foram criados, mais intenso será o processo do luto, porque mais rica e significativa foi a
história compartilhada.


Quando a perda acontece, o vazio se manifesta nos pequenos detalhes do
cotidiano. Está nas piadas internas, nas músicas que vocês ouviam juntos, nas palavras
que só ela sabia dizer. Está no lado da cama que ficou vazio, no cantinho favorito do sofá,
nos gestos e hábitos que se tornaram memórias. Esses espaços parecem ecoar a ausência,
mas também são testemunhos da história que vocês construíram juntos. E é exatamente
isso que nos dá força para seguir. Em vez de resistir às lembranças, permita-se usá-las
como âncoras. Cada memória pode se tornar um fio de conexão, ajudando você a manter
viva a história de vocês e a não se perder de si mesma. Porque o luto é, na verdade, sobre
a história de amor que continua viva dentro de você.


Só vive o luto quem teve o privilégio de viver o amor. Esse amor que permanece
é o que nos transforma e nos fortalece. Ele é o que nos permite, aos poucos, reconstruir a
vida ao redor da ausência, criando novos significados e formas de seguir em frente. A dor
não acaba. Ela vai se transformando ao longo do processo de luto e vamos aprendendo a
conviver com o buraco da ausência.


Amar é assumir o risco de perder. É aceitar que o medo e o luto caminham lado a
lado com o amor. Essa é a condição da existência. Não existe um sem o outro. E, mesmo
assim, vale a pena amar. Porque o amor nos dá a chance de nos conectarmos
profundamente, de nos reconhecermos no olhar do outro, de construirmos algo que vai
além de nós mesmos. Construir um vínculo é um dos atos mais significativos que
podemos realizar na vida. Isso não significa ausência de conflitos ou imperfeições. Pelo
contrário, um vínculo forte e saudável tende a resistir às adversidades, cresce com os
desafios e se fortalece nas reconciliações. Ele exige cuidado, presença, compromisso e
uma dose de vulnerabilidade. Amar é estar disponível, é investir no outro mesmo sem
garantias. Por isso, quando o vínculo é rompido, a dor é proporcional à profundidade da
relação. Mas, ao mesmo tempo, essa dor é também uma forma de celebrar o amor que foi
vivido. Ela nos lembra que, apesar da ausência, o amor não desaparece. Ele continua,
transformado, como parte de quem somos.


O luto nos ensina sobre a potência do amor, mas também sobre sua fragilidade.
Ele nos lembra que viver na potência que a vida tem significa se arriscar, se entregar,
permitir-se sentir. E isso inclui tanto o melhor quanto o pior de nós. Amar é investir,
cuidar, partilhar. É muito mais do que palavras ou promessas. É um ato que excede as
explicações, mas que deixa marcas indeléveis. Quando perdemos alguém, essas marcas
se tornam o que nos sustenta. Elas são a prova de que o amor existiu e continua existindo.


O luto é sobre os elos que não se rompem, sobre a história que permanece viva, mesmo
na ausência. Ele é sobre a memória e a transformação, sobre aprender a conviver com a
dor e usar o amor como força para seguir em frente. E é por isso que, mesmo diante da
perda, o amor testemunha o que não se pode perder. Ele é o que dá sentido à existência,
o que conecta o passado ao presente e o que nos inspira a continuar construindo vínculos,
mesmo sabendo que eles carregam o risco de um dia nos deixarem. Porque, no final, é
isso que nos torna humanos

Roberta dos Santos Campos Ferreira – Psicanalista

Conheça o Autor

Psicanalista Especialista em Clínica Psicanalítica de Freud a Lacan, pela PucMinas. Graduada em Psicologia, pela PucMinas. Formação contínua em Psicanálise, pelo Instituto de Psicanálise Lacaniana (IPLA/SP). Formação contínua em Psicanálise, pela Escola Brasileira de Psicanálise de Minas Gerais. Formação em Perdas e Lutos, por Ana Clara Bastos Psicologia. Capacitação em Primeiros Socorros Psicológicos em Emergências e desastres, pelo Humanitás desenvolvimento de pessoas.

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