Uma Vida Nova Para Um Ano Novo

Luto e Terapia

*Por Roberta dos Santos Campos Ferreira – Psicanalista

O início de um novo ano sempre chega carregado de promessas e expectativas.
Apesar do clima ser de energia renovada e começo de novos projetos, muitas dessas
promessas não serão realizadas, e no fundo, a gente até sabe disso, mas gostamos de acreditar
que será muito diferente dessa vez. A nossa tendência é repetir o que já é conhecido e os
hábitos já consolidados ao longo do tempo. Ainda que os hábitos já conhecidos e
consolidados sejam ruins. O ano só pode ser novo se a gente puder construir algo novo
dentro que é possível fazer na realidade de cada um. É preciso de um desejo bem decido
sobre as mudanças que se quer na vida, do contrário, elas não acontecem e ficaremos no
velho ciclo da repetição.


Para quem vive um luto, porém, o começo de um ano funciona diferente. Nesse
caso, a própria vida se encarregou de impor a mudança. A realidade não é a mesma, a rotina
não é a mesma, o olhar para as coisas não será o mesmo para quem perdeu alguém
importante recentemente ou passou por uma grande ruptura. A sensação nesse caso é a de
que não há mais um lugar conhecido para voltar. O novo é uma opção forçada. O que era
conhecido se transformou, o que antes fazia sentido parece não estar mais ali. Em vez de
enxergar um futuro cheio de possibilidades, muitas vezes tudo o que se vê é um grande
vazio.


O luto, seja ele pela perda de uma pessoa querida, pelo fim de uma relação, por uma
mudança inesperada ou pela quebra de um ideal, tem o poder de desorganizar tudo ao nosso
redor. Ele altera não só a forma como percebemos o mundo, mas também a maneira como
nos enxergamos. É como se um pedaço de quem somos fosse arrancado, deixando-nos à
deriva, sem um ponto de referência claro.


Para quem está vivendo um luto, cada dia é novo, um recomeço. Não um recomeço
grandioso ou cheio de entusiasmo, mas uma tentativa humilde e corajosa de continuar.
Cada amanhecer é uma nova chance de aprender a viver sem aquilo que foi perdido, de
tentar encontrar pequenos motivos para seguir em frente. Se você sente que está perdido,
sem conseguir se encaixar no lugar que ocupava antes, saiba que isso é natural. O luto traz
mudanças profundas, e é normal não saber para onde ir ou qual será o próximo passo. Às
vezes, pode parecer que você não tem forças para planejar um futuro, e está tudo bem.


Nesse momento, o importante não é olhar para muito longe, mas sim para o dia de
hoje. O luto é atravessado um dia por vez. Cada um no seu ritmo e direção. Quando tudo
parece grande e assustador, focar no presente pode ser o caminho mais seguro. Não é
necessário ter todas as respostas agora, nem saber exatamente onde você quer chegar. Apenas continue no seu passo, porque basta um passo e você já não estará mais no mesmo
lugar.


Muitas vezes, associamos o luto exclusivamente à morte de alguém querido, mas
ele vai muito além disso. O luto também pode ser vivido em situações de término de
relacionamentos
, mudanças de vida, rupturas inesperadas e até mesmo na perda de um ideal
ou de um sonho. Aquele emprego que você acreditava ser para sempre e que, de repente,
chegou ao fim. A relação que parecia sólida, mas se desfez. O sonho de uma vida que
poderia ter sido diferente e que nunca se concretizou. Tudo isso também é luto, porque
envolve perda, adaptação e a necessidade de reconstrução.


Essas experiências, embora diferentes, têm algo em comum: todas elas nos
convidam a repensar quem somos e o que queremos. Elas nos colocam diante da tarefa
difícil de reorganizar a vida em torno da ausência, seja ela concreta ou simbólica. Quando
perdemos algo ou alguém importante, o vazio que fica parece tomar conta de tudo. Ele está
nos lugares que a pessoa ocupava, nos gestos e palavras que eram tão familiares, nos planos
que agora não fazem mais sentido. E não importa se essa perda é recente ou já faz algum
tempo, porque as emoções podem voltar com força em momentos inesperados. O
inconsciente tem outro tempo e a força das lembranças reavivam as emoções fazendo com
que a oscilação das emoções seja um comportamento esperado dentro um processo de luto.

Esse vazio, por mais difícil que seja enfrentá-lo, também carrega um potencial de
transformação. Ele nos lembra do que foi vivido, do que era importante, e nos convida a
criar algo novo. Não é um processo fácil, nem rápido. Reorganizar a vida após uma perda
exige tempo, paciência e, acima de tudo, gentileza consigo mesmo. Vou repetir, gentileza
consigo mesmo. Dar tempo ao tempo, deixar decantar os pensamentos e emoções.


O ano novo pode ser uma metáfora poderosa para isso. Assim como o mundo parece
se renovar a cada janeiro, nós também podemos nos renovar, mesmo que de forma lenta e
gradual. Não é sobre esquecer o que foi perdido ou seguir em frente como se nada tivesse
acontecido, mas sobre encontrar um novo significado para a vida, um novo propósito que
respeite o que ficou para trás, mas que também permita olhar para frente.


Muitas vezes, tentamos evitar a dor do luto, acreditando que isso nos tornará mais fortes
ou que nos ajudará a seguir em frente mais rápido. Mas o luto não pode ser evitado. Ele
precisa ser vivido, sentido, processado. Cada lágrima, cada lembrança, cada momento de
saudade é parte desse processo. Permitir-se sentir o luto é um ato de coragem. É reconhecer
a importância do que foi perdido, mas também abrir espaço para que algo novo surja. E
esse algo novo não precisa ser grandioso ou imediato. Pode ser um pequeno gesto, uma
nova rotina, um pequeno passo na direção de algo que faça sentido.


Se você sente que está perdido, sem saber por onde começar, tente olhar para o que
está ao seu alcance. Talvez seja apenas levantar da cama hoje, preparar uma refeição, dar
um pequeno passeio. O recomeço não precisa ser perfeito, ele só precisa ser possível.
O recomeço do ano pode parecer assustador para quem está vivendo um luto. Mas ele
também pode ser uma oportunidade de acolher a dor, de respeitar o próprio ritmo e de
começar, aos poucos, a trilhar um novo caminho. Lembre-se: não há pressa. Não há regras.
Cada pessoa vive o luto à sua maneira, no seu tempo. E, mesmo que tudo pareça incerto
agora, o caminho se faz ao caminhar. Um dia de cada vez, com passos pequenos, mas
corajosos.


O ano é novo, e a vida também será. Não porque será fácil ou porque as perdas
serão esquecidas, mas porque o amor que permanece será sua força para seguir em frente.
Permita-se sentir, permita-se lembrar, permita-se recomeçar. E, acima de tudo, lembre-se
de que o luto é sobre o amor que existiu — e que continua vivo em você.

Conheça o Autor

Psicanalista Especialista em Clínica Psicanalítica de Freud a Lacan, pela PucMinas. Graduada em Psicologia, pela PucMinas. Formação contínua em Psicanálise, pelo Instituto de Psicanálise Lacaniana (IPLA/SP). Formação contínua em Psicanálise, pela Escola Brasileira de Psicanálise de Minas Gerais. Formação em Perdas e Lutos, por Ana Clara Bastos Psicologia. Capacitação em Primeiros Socorros Psicológicos em Emergências e desastres, pelo Humanitás desenvolvimento de pessoas.

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