O luto é uma das experiências humanas mais difíceis, perturbadoras e fora de controle racional.
Difícil porque é perda. Não existe fazer o luto do que não se perdeu. Do que se aceitou que perdeu. Mesmo que seja um luto peculiar, quando se ganha algo, por exemplo. Quando se ganha um filho e assim nos tornamos mãe ou pai. Pode ser a felicidade mais sagrada, mas se perdeu o estatuto imaginário de bebê ou plenamente livre que se tentava inconscientemente manter. Às vezes é perda pura. Perda de um amor, perda de um filho, de uma oportunidade.
Então é difícil. É lidar com o vácuo puro da angústia. Que aos poucos pode ir se transformando simbolicamente e virar vazio. E assim, quem sabe, virar espaço potencial, aquele que pode ser novamente preenchido.
Esse estado perturbador carrega muitas coisas: pensamentos, afetos (ambivalentes), insônia, pânico, alívio, culpa, ruminação. Pensamentos os mais recorrentes, os mais insensatos. E se eu morresse também? E se eu raspasse a cabeça? E se eu partisse num navio e desse a volta ao mundo? Tudo o que eu queria era não estar aqui.
Depois vem outra ideia, é outro sentimento. Num circuito por vezes lento, longo. Preciso sobreviver pois tenho filhos para criar. Negócio para tocar. Obra para construir.
E assim é o outro e seu olhar que me amparam e me fazem desejar. Desejar de novo a vida e as coisas.
O luto é sempre uma experiência psiquicamente rica. Heterogênea. Confusa. Oscilamos entre os estados e os humores. A gente acha que está passando e de repente volta a espiral e estamos lá embaixo, quando tudo dói e vaza.
Depois fica leve e parece que já passou tanto tempo e já sou outra pessoa.
Mas… que outra pessoa é essa que está renascendo das cinzas, literalmente? Qual tua face Fênix?
Te acho estranha. Te acho outra. Não te reconheço. O que está acontecendo comigo? Quem é esse outro eu que surge agora, um pouco desconhecido para mim mesmo?
De novo, e sempre, e mais uma vez essa pergunta.
Aí, dependendo da coragem e talvez da sorte, encontramos o novo. Um novo ser, uma outra vida.