Luto e Criação, por Maria Homem

Luto e Terapia Reflexões

O luto é uma das experiências humanas mais difíceis, perturbadoras e fora de controle racional. 

Difícil porque é perda. Não existe fazer o luto do que não se perdeu. Do que se aceitou que perdeu. Mesmo que seja um luto peculiar, quando se ganha algo, por exemplo. Quando se ganha um filho e assim nos tornamos mãe ou pai. Pode ser a felicidade mais sagrada, mas se perdeu o estatuto imaginário de bebê ou plenamente livre que se tentava inconscientemente manter. Às vezes é perda pura. Perda de um amor, perda de um filho, de uma oportunidade. 

Então é difícil. É lidar com o vácuo puro da angústia. Que aos poucos pode ir se transformando simbolicamente e virar vazio. E assim, quem sabe, virar espaço potencial, aquele que pode ser novamente preenchido. 

Esse estado perturbador carrega muitas coisas: pensamentos, afetos (ambivalentes), insônia, pânico, alívio, culpa, ruminação. Pensamentos os mais recorrentes, os mais insensatos. E se eu morresse também? E se eu raspasse a cabeça? E se eu partisse num navio e desse a volta ao mundo? Tudo o que eu queria era não estar aqui.  

Depois vem outra ideia, é outro sentimento. Num circuito por vezes lento, longo. Preciso sobreviver pois tenho filhos para criar. Negócio para tocar. Obra para construir.  

E assim é o outro e seu olhar que me amparam e me fazem desejar. Desejar de novo a vida e as coisas.  

O luto é sempre uma experiência psiquicamente rica. Heterogênea. Confusa. Oscilamos entre os estados e os humores. A gente acha que está passando e de repente volta a espiral e estamos lá embaixo, quando tudo dói e vaza.  

Depois fica leve e parece que já passou tanto tempo e já sou outra pessoa.  

Mas… que outra pessoa é essa que está renascendo das cinzas, literalmente? Qual tua face Fênix? 

Te acho estranha. Te acho outra. Não te reconheço. O que está acontecendo comigo? Quem é esse outro eu que surge agora, um pouco desconhecido para mim mesmo? 

De novo, e sempre, e mais uma vez essa pergunta.  

Aí, dependendo da coragem e talvez da sorte, encontramos o novo. Um novo ser, uma outra vida. 

Conheça o Autor

Psicanalista. Pesquisadora do Núcleo Diversitas FFLCH/USP e professora da FAAP. Pós-graduação em Psicanálise e Estética pela Universidade de Paris VIII / Collège International de Philosophie e Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Foi professora visitante na Harvard University e palestrante no MIT, Boston Univ e Columbia (NY) e colunista da Folha. Autora de “Lupa da alma”, “Coisa de menina?”, “No limiar do silêncio e da letra”, entre outros. Ministra palestras e cursos em diversos lugares, como Casa do Saber, Museu da Imagem do Som (MIS), Saint Paul e Centro Universitário Maria Antonia — USP. Atualmente trabalha na interface Psicanálise, Subjetividade e Cultura. Além da clínica, atua na esfera pública abordando em suas reflexões o laço social, a literatura, o cinema, a comunicação, os conflitos, a política e questões contemporâneas, como gênero, sexualidade, vida digital e diversidade.

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