O luto é um processo desafiador para qualquer pessoa, e no caso das crianças, pode ser ainda mais complexo, pois elas ainda estão desenvolvendo sua compreensão sobre a vida e a morte. Para entender melhor como abordar o tema com os pequenos, conversamos com a psicóloga Roberta Campos, que trouxe orientações valiosas sobre como comunicar a perda, oferecer suporte emocional e identificar sinais de alerta. Confira!
Como Comunicar a Morte para uma Criança?
A comunicação deve ser clara, direta e acolhedora. Segundo Roberta Campos, é essencial que alguém próximo e de confiança seja o responsável por dar a notícia, transmitindo segurança e abrindo espaço para perguntas. “Evitar rodeios ou metáforas que possam confundir a criança é fundamental. Frases como ‘o vovô morreu’ são mais compreensíveis do que ‘ele partiu para um lugar melhor’ ou ‘foi dormir para sempre’, que podem gerar medos ou sentimentos de abandono”, explica a psicóloga.
Roberta enfatiza que os adultos muitas vezes têm mais dificuldade de falar sobre a morte do que as crianças de ouvir. “As crianças percebem muito bem as mudanças ao seu redor. Quando não recebem informações claras, elas mesmas criam explicações, o que pode gerar insegurança e ansiedade”, ressalta.
A Abordagem Variada Conforme a Idade
Não existe uma idade mínima para falar sobre a morte, mas a abordagem deve ser adequada ao nível de compreensão da criança. Crianças pequenas podem não entender a irreversibilidade da morte, enquanto as maiores já conseguem compreender a finitude da vida. “O ideal é oferecer informações compatíveis com a maturidade emocional da criança, permitindo que ela processe a perda no seu próprio ritmo”, afirma Roberta.
Ela sugere diferentes abordagens conforme a faixa etária:
- Até 3 anos: A morte é percebida apenas como ausência. “Frases curtas e objetivas, como ‘o vovô morreu, isso significa que ele não volta mais, mas nós sempre vamos lembrar dele’, são mais eficazes”, orienta.
- De 3 a 5 anos: Nessa fase, a criança pode acreditar que pensamentos ou palavras podem influenciar a morte. “É comum que ela sinta culpa se brigou ou desejou algo ruim para alguém que faleceu. Por isso, é essencial esclarecer que nada do que ela sentiu ou pensou causou essa perda.”
- Dos 5 aos 9 anos: A morte já é entendida como algo definitivo e inevitável, mas a criança pode ter dificuldades em expressar os sentimentos. “É possível ir respondendo conforme as perguntas que ela trouxer, sem sobrecarregá-la com informações desnecessárias.”
A partir dos 10 anos: A criança já consegue refletir sobre as causas da morte e seu impacto na vida dos outros. “Aqui a conversa pode ser mais aprofundada, sempre respeitando sua necessidade de questionar e elaborar o tema.”
O Uso de Metáforas: Ajudam ou Confundem?
Expressões como “virou uma estrelinha” podem ser reconfortantes para algumas crianças, mas também podem gerar confusão. “Algumas podem interpretar de forma literal e ficar com medo de ‘virar uma estrelinha’ também. Se for usar metáforas, o ideal é complementá-las com explicações concretas sobre a morte”, aconselha a profissional.
Acolhendo as Emoções e Participação em Rituais
Validar as emoções da criança é essencial. “Dizer ‘não chore’ ou ‘seja forte’ pode fazê-la sentir que está errada por estar triste. O ideal é acolher: ‘Eu sei que dói, também sinto falta dele. Pode chorar, pode falar sobre o que sente’”, sugere a psicóloga.
A participação em rituais de despedida, como velórios e enterros, deve ser uma escolha da criança. “Explique como será o momento e pergunte se ela quer participar. Se decidir ir, esteja por perto para dar suporte. Se preferir não ir, respeite e ofereça outra forma de despedida, como escrever uma carta ou acender uma vela”, orienta Roberta.
Como Saber se a Criança Precisa de Ajuda Profissional?
É natural que a criança apresente momentos de tristeza, raiva ou mudanças no comportamento. No entanto, sinais como isolamento intenso, recusa em falar sobre a perda, queda brusca no rendimento escolar, mudanças extremas no sono e na alimentação ou comportamentos autodestrutivos podem indicar a necessidade de acompanhamento profissional. “O que chama a atenção de forma preocupante é a intensidade dos sintomas e o quanto eles prejudicam o funcionamento da vida”, destaca a psicóloga.
O Papel dos Professores e Cuidadores

Na escola, professores podem apoiar crianças enlutadas com escuta sensível e atividades que permitam a expressão emocional. “Perguntar ‘como você está se sentindo hoje?’ ou oferecer um espaço para a criança se expressar sem pressioná-la pode ajudar. Rodas de conversa, filmes e livros são ótimos recursos para abordar o luto de forma lúdica e acessível”, recomenda.
Ela também reforça que é importante que os professores tenham conhecimento sobre o luto infantil. “A escola pode ser um espaço seguro para a criança se sentir acolhida. Além disso, mesmo que nenhum aluno esteja passando pelo luto no momento, falar sobre a morte de maneira natural ajuda a prepará-los para quando essa experiência surgir.”
Quando a Criança se Culpa pela Morte de Alguém
Crianças pequenas podem acreditar que algo que disseram ou pensaram causou a morte de alguém. “Por exemplo, se em um momento de raiva a criança disse ‘queria que você morresse’ e depois essa pessoa falece, ela pode acreditar que foi responsável. Nesses casos, é fundamental dizer com clareza: ‘Nada do que você fez ou pensou fez essa pessoa morrer’. Dê espaço para a criança expressar seus sentimentos e reforce que ela não tem culpa pelo que aconteceu”, enfatiza Roberta.
Transformando o Luto em Aprendizado
O luto pode ensinar sobre a importância das relações e a valorização da vida. “Falar sobre a morte é também falar sobre a vida. A experiência do luto pode ajudar a criança a desenvolver resiliência, aprender sobre a memória e perceber que o amor continua existindo, mesmo na ausência física”, reflete Roberta.
Quando Buscar Terapia?
A terapia pode ser um espaço seguro para a criança expressar seus sentimentos de forma lúdica e sem pressões. Segundo Roberta Campos, o acompanhamento profissional é essencial quando a criança apresenta sofrimento intenso, isolamento ou dificuldades para retomar a rotina. “Um profissional especializado pode ajudá-la a elaborar essa perda, respeitando seu tempo e suas particularidades”, reforça.
Falar sobre a morte com as crianças pode ser desafiador, mas com acolhimento, honestidade e apoio adequado, é possível ajudá-las a atravessar o luto de forma mais saudável.
“O luto é uma vivência natural e, desde que a criança tenha um adulto de sua confiança, emocionalmente disponível para acompanhá-la, acolhê-la e orientá-la em seus questionamentos, ela fará uma travessia emocional saudável pelo processo.”
Roberta Campos